segunda-feira, fevereiro 15, 2010

O Encontro

Ele surgiu.
E foi assim...
Quase que como um sinal,
Que aparece na pele,
Que a gente nem sente,
Que a gente nem sabe como ele chegou ali.
Só sabe depois
Que ele já faz parte da gente.

Ele surgiu.
E foi assim...
Como as primeiras palavras de alguém,
Que um dia de tanto escutar os outros
Decide dizer por si mesmo
Em suas próprias letras.

Ele surgiu.
E foi assim...
Meio que como uma noite de sono,
Onde a gente nunca sabe o que vai sonhar,
Mas que sabe que quando sonha não quer acordar.

Ele surgiu.
E já não pode mais desaparecer.

segunda-feira, novembro 09, 2009

Sobre aquilo que se fala

Eu gosto das coisas não ditas
Daquelas que ainda estão presas a emoção, que ainda não tem nome
Eu prefiro o subentendido
Ou o que nem pode ser compreendido
Eu vivo no silêncio que fala
E caminhando no universo das quase palavras
Quase sei o que dizer

quinta-feira, novembro 13, 2008

O cheiro da liberdade

Era assim um viciado. Mas mantinha a sua condição de dependente em sigilo. Porque pior do que viver em função daquele vício era se imaginar julgado louco por todos aqueles que conhecia. Por isso, fazia questão de manter a aparência e de viver uma vida regrada e óbvia.

Há dois anos passou num concurso e adotou o ofício de funcionário público. Não se considerava nenhum galã de cinema, mas conseguia administrar bem os seus casos amorosos. Tinha 35 anos e ainda morava com os pais – uma questão de estratégia.

Ele mantinha o seu mundo secreto no seu quarto que ficava na área externa da casa e onde só ele tinha acesso. Era assim, morando com os pais, que sempre matinha a desculpa de que não queria trazer transtornos para o casal de idosos para deixar o seu espaço longe dos olhos curiosos, que vez por outra se ofereciam para conhecer a sua casa.

A sua primeira experiência com o vício foi aos sete anos, numa viagem que fez até a casa da sua tia avó no Interior do Estado. Era a sua primeira vez fora do seu lar. E um novo mundo e as suas novas necessidades se abriram.

Foi lá que pela primeira vez que viveu aquela sensação.

Era um domingo, 9 horas da manhã...

A TV estava desligada, o calor começava a se aproximar da casa, os móveis escuros de tão lustrados pareciam espelhos, os quartos estavam vazios. A única movimentação era na cozinha, onde estavam sendo preparados os quitutes especialmente produzidos para a chegada dele.

Ainda constrangido com o novo, respirou fundo... e sentiu o ar diferente.

Nunca havia sentido cheiros como aqueles... se sentiu paralisado...parecia que havia sido invadido por um transe completo.

E ao tomar consciência do seu estado fez uma coisa que ia viria a marcar o resto da sua vida: pegou o primeiro pote que viu, encheu de ar e lacrou.

E a partir deste momento tornou-se um viciado em cheiros.

De lá para cá não parou. Em todas as casas que ia, nas lojas por onde andava e, claro, nas perfumarias... sempre repetia o mesmo gesto: respirava fundo – como se fosse a última vez que pudesse ingerir oxigênio, soltava devagar... depois assim... escondido...remexia um pote para enchê-lo de ar e guardava.

Tinha uma coleção de potes no seu quarto. Na sua última contagem passavam dos mil. Com o passar dos anos foi aperfeiçoando a sua técnica. No lugar de grandes potes lacrados... começou a comprar pequenos tubos de ensaio para facilitar o manuseio e o armazenamento do ar.

Já era uma prerrogativa antes de sair de casa: a primeira coisa que fazia era guardar um ou mais tubinhos em um dos bolsos escondidos da calça.

Até que um dia tudo mudou. É que a nova faxineira achou por bem limpar o quarto do único herdeiro da casa. E pegou a chave reserva do quarto para dar uma "geral no local". Um pouco assustada com tamanha bagunça a faxineira passou mais de seis horas lavando, limpando, organizando. Viu que tinha uma série de potes guardados, alguns até com um pouco de poeira e fez questão de lavar. Limpou tudo.

Deixou o local um brilho.

Ao chegar em casa voltando do trabalho, tomou um susto: viu que os anos de trabalho de armazenamento de todos aqueles cheiros tinham acabado. Evaporou.

E mais uma vez ele entrou em transe.

Depois de alguns instantes... respirou aliviado. E sentiu o cheiro incrível da liberdade.

Jogou os potes fora. E de uma vez por todas se curou.

sexta-feira, junho 27, 2008

Sobre a pena

"Estou condenada", concluiu. E quis lembrar de como tudo começou. Olhou novamente antigas fotos na tentativa de buscar as antigas sensações, mas o esforço foi em vão. Não se pode reproduzir o passado. A raiva, o riso, a tristeza e a alegria de antes - se novamente convocados - já não tem o mesmo sabor, seja ele doce ou amargo. E foi com esta sensação que fechou novamente os álbuns de recordações e tentou se concentrar no presente. Mas tudo que ela conseguia pensar era na crueldade daquela pena. Estava condenada por toda a vida, sem direito a apelação, liberdade condicional, ou redução por bom comportamento. Era prisão perpétua, tortura constante. Àquela altura já não tinha mais muitas certezas sobre o que lhe aconteceria, mas ela sabia que não era a primeira e nem a única a ter tal julgamento. Os que cometeram o mesmo crime, os que ultrapassaram a faixa, tiveram a mesma condenação. Não existiam sectarismos naquele Tribunal. Aquilo a que tinha sido condenada tinha o peso do mundo, poderia gerar vidas ou ocasionar mortes. Despertava as mais variadas reações. Talvez o preço maior da sua pena era exatamente se saber condenada. Na ignorância, apenas era mais uma. Mas a sua conclusão sobre a sentença fazia com que tudo aquilo se tornasse ainda mais difícil do tudo que achava que conseguia suportar. Pensou em formas de fugir, mas viu que era inútil: já que não havia prisões concretas, não poderiam haver subterfúgios. E com pena, se resignou. Entendeu que teria que viver com aquela sentença de amar pelo resto da sua vida. E amou.

terça-feira, março 18, 2008

Respeitável contribuinte,


Lamento informar que o espetáculo no Congresso Nacional nem começou direito, afinal estamos apenas no segundo mês de funcionamento do legislativo em 2008. Mas já corre o risco de acabar.


Minhas condolências pelo custoso ingresso, que foi pago antecipadamente.


Sei que cada mandato de senador consumirá este ano R$ 34 milhões dos cofres públicos (temos 81), e cada mandato de deputado federal custará ao nosso bolso R$ 6,9 milhões (temos 513). No entanto, temo pelo nosso parlamento recém-empossado, que já dá sinais de fadiga.


Temos duas CPIs desacreditadas, uma reforma tributária que não deve sair do papel, uma pauta trancada por dezenas de MPs e, para piorar, uma oposição que pretende obstruir as votações.


E antes que eu esqueça: estamos em ano de eleições municipais. Parlamentar que não é candidato sempre tem que fazer campanha para alguém, o que esvazia ainda mais as sessões.Pois é meus caros, guardem seus tickets para 2009, quem sabe ano que vem ele valha alguma coisa.

segunda-feira, novembro 26, 2007

Um dia na Agonia

Ele trabalhava na Rua Luiz Agonia em um mercado antigo, que conseguiu sobreviver aos prédios e condomínios luxuosos da região. Era chaveiro e gostava de dizer poeticamente que “sua profissão abria portas”.

Era o único que tinha uma banquinha daquela rua que não vendia animais. Os seus vizinhos de mercado viviam num comércio intenso: eram centenas e centenas de pássaros engaiolados, cachorros das mais variadas raças, galos, galinhas, pombos... todos ali guardados, esperando um dono.

O chaveiro há muito havia se acostumado com os seus barulhos. Os das chaves sendo esculpidas e o dos animais sempre latindo, piando, arrulhando, cacarejando...

Dois anos atrás ganhou de um cliente antigo um toca-fitas usado. Começou então a escutar a única fita que tinha: de valsas.

Chegava na banca às 8 da manhã e saía às 8 da noite. Não tinha filhos, nem esposa. O seu melhor amigo era o dono da lanchonete perto do mercado, onde fazia suas refeições.

Depois de algumas decepções, aprendeu a fechar as suas portas.

Não tinha muitos gastos e nem vícios. Mas tinha uma obsessão: não confiava em bancos nem andando na calçada. Achava que eles eram criados para empobrecer o trabalhador e não para ajudá-lo a poupar.

Guardava tudo que ganhava no tradicional “em baixo do colchão”. Toda semana reunia todo o dinheiro que ganhava e contava.

No dia em que eu o conheci, me contou: com a sua cópia, completo os 10 mil atendimentos. Fiquei perplexa.

- E você anota todos os clientes? – questionei

- Desde os meus 15 anos, quando comecei a fazer chaves e abrir portas. Poderia ter conseguido esse número antes, mas adoeci algumas vezes nesse tempo.

Não perguntei mais nada. Me despedi e agradeci as chaves. No outro dia soube o seu nome pelos jornais.

“Chaveiro surta e solta animais do mercado” – dizia a manchete.

Moradores da rua Luiz Agonia levaram um susto ontem. Centenas de animais invadiram suas casas e prédios depois que o chaveiro Luiz da Silva, 55 anos, resolveu soltar os animais engaiolados das barracas vizinhas as suas. Até cobras foram encontradas.


Depois do incidente, Luiz sumiu. E ninguém nunca mais teve notícias dele.

quarta-feira, setembro 26, 2007

Para saber quem sou

Vivo entre extremidades
Sou Norte
Sou Sul
Sou desnorteada

Sou de sorrisos exacerbados
E de lágrimas gritantes

Sou de fora
Mas vivo dentro
Me escondo para muitos
Mas quem me acha
Me encontra plena